No início de Outubro deste ano, o novo gabinete de governo da Holanda resolveu inovar com a produção da maconha. Em caracter experimental, 6 a 10 cidades holandesas de grande-médio porte irão poder adotar um novo modelo: o da produção regulada. Nestas cidades, o governo será responsável pelo abastecimento de maconha e hashish aos coffeeshops. A idéia do experimento é de verificar se a adoção da produção regulada resultará na diminuição da ciminalidade e transtorno social causados pelo narcotráfico.
Porque fizeram isso?
Desde os anos 80, é possível comprar maconha para fins recreativos na Holanda nos chamados Coffeeshops. O cliente entra na loja, vê o menu, lê ou pede explicações sobre os diferentes tipos, a quantidade de princípio ativo em cada um, os efeitos, e aí escolhe e compra. É possível consumir ali no café mesmo, ou então levar pra casa. Não precisa entrar em contato com um traficante, nem ir a algum lugar obscuro. É quase como comprar uma cerveja, ou um pacote de cigarros. Quase.
No lado da demanda (o usuário), a política de separação de mercados trouxe muitos benefícios. Ela ajudou a prevenir que pessoas que usam drogas leves, como a maconha ou o hashish, entrem em contato com o mercado de drogas que podem causar mais danos, como a heroína ou o crack. Como resultado da política de tolerância, a Holanda tem um dos índices mais baixos de consumo de drogas pesadas no mundo, e um dos índices mais baixos de criminalidade. Além disso, o acesso a tratamento e cuidado para pessoas que querem reduzir os danos do uso é crescente. Existem muitos mitos sobre a maconha na Holanda, é bom esclarecer.
Apesar dos lados positivos com relação ao usuário, no lado da oferta (a produção e distribuição), a política holandesa apresentou falhas. A maior delas é o chamado “problema da porta dos fundos”. É tolerada a venda de maconha no coffeeshop, mas não é tolerada a produção ou a compra da maconha em quantidades necessárias para poder vender.
Pois é. Como então, os donos de coffeeshops compram e transportam a maconha que vendem? No mercado negro. Isso segue alimentando o tráfico e as redes criminosas, além de dificultar para a polícia o controle do que seria o tráfico per se, e o que seria uma operação de abastecimento de um estabelecimento lícito. A não regulamentação da “porta dos fundos” contribuiu indiretamente para que a Holanda se tornasse um grande produtor de maconha. Atualmente, o governo gasta milhões de euros para reprimir a produção ilícita. Só em 2015, 5.856 plantações de cannabis foram desmanteladas pela polícia, quase 16 por dia.
O experimento
Na tentativa de resolver este problema, a Holanda resolveu dar um passo adiante. No início de outubro, o novo gabinete de governo resolveu experimentar com o lado da produção. A idéia da produção regulada na Holanda, em seu formato atual, teve início no ano passado, com uma proposta de lei feita pela parlamentar Vera Bergkamp, do partido de centro-esquerda D66. Em fevereiro deste ano, a proposta obteve maioria na segunda câmara. Desde então, a proposta esteve esperando os resultados das eleições gerais holandesas e a formação da nova coalisão partidária para poder ser debatida na primeira câmara. Na época da primeira votação, partidos religiosos e de centro-direita (CDA, ChristieUnie e VVD) votaram contra a proposta. Estes mesmos partidos agora formam a coalisão do novo gabinete de governo, juntamente com o D66. Isso levou muitos a imaginarem que a proposta seria vetada. O resultado da negociação no novo gabinete, porém, foi o compromisso de adotar a proposta em caráter experimental, e esperar os resultados para poder debater a possibilidade de uma lei na primeira câmara.
Aliás, bem holandês isso de fazer estudos antes de decidir mudar a legislação. Foi assim com a lei que dividiu drogas leves e pesadas em 1976, com a adoção de salas de consumo, e com a prescrição de heroína. Mas isso já é outra história.
Como vai funcionar?
Seis a 10 cidades de grande-médio porte vão poder adotar a produção regulada em caráter experimental. Breda e Eindhoven já se candidataram oficialmente a participar do estudo, e a lista das cidades interessadas já está bem maior do que o limite de 10 participantes. Nestas cidades, o governo será responsável pelo abastecimento de maconha e hashish aos coffeeshops das cidades participantes. Um certo número de produtores serão cadastrados, e sua produção e distribuição controlados de perto pelos órgãos governamentais. O esperado é que com uma separação mais clara entre a produção e distribuição destinada ao consumo regulado, e a produção destinada ao tráfico ilícito, a polícia poderá poupar esforços e concentrar forças no crime organizado. Além disso, a produção e distribuição reguladas podem ajudar a diminuir a violência, o transtorno social, e a criminalidade causadas pelo tráfico de drogas.
Porque regular ao invés de aumentar a repressão?
Por razões muito óbvias e práticas. A história mostrou que o combate ao tráfico de drogas não tornou as drogas menos acessíveis, nem menos atraentes para os consumidores e, portanto, não conseguiu diminuir o consumo de drogas. Ao contrário, drogas baseadas em plantas como a heroína, cocaína e maconha, continuam sendo produzidas. E a produção de drogas sintéticas cresce cada vez mais no mundo. Quando uma rota de tráfico é interditada, o comércio simplesmente se move para uma rota diferente. E quando há escassez de uma droga específica no mercado, os usuários simplesmente mudam para uma droga diferente que esteja disponível. Além disso, as ações repressivas tendem a aumentar o preço das drogas no mercado, e a diminuir sua qualidade (com o uso de mais aditivos e preços mais altos para assegurar o lucro). Ao invés de diminuir o interesse pelas drogas, isso só leva a maiores danos à saúde dos usuários.
E não tem críticas?
Claro, sempre existem. E é necessário considera-las para poder repensar alternativas. Por um lado, existem aqueles que acreditam que a continuação da proibição, e mais esforços de repressão são a solução. Como o parágrafo acima explica, porém, é visível que a guerra às drogas tem falhado, e que uma mudança de estratégia se faz necessária. Por outro lado, existe a dúvida se a regulação à nível nacional resolveria o problema. Em 2014, o WODC – o Centro de Pesquisa e Documentação do Ministério de Segurança e Justiça da Holanda – estimou que entre 80 a 90% da produção ilegal de maconha no país seria para exportação. Tais dados foram utilizados para criticar a regulação a nível nacional, alegando que o país se trasformaria em um fornecedor internacional. As altas estimativas do relatório, porém, se provaram infundadas por diversas fontes e pesquisas.
Bom esclarecer que o governo da Holanda já produz e exporta a maconha para fins medicinais e de pesquisa. Farmácias, universidades e institutos de pesquisa podem obter legalmente a maconha medicinal através do Cannabisbureau, o órgão oficial da maconha medicinal do governo. Aliás, um parênteses, neste ano a ANVISA aprovou a maconha (cannabis sativa) como planta medicinal também no Brasil.
Com o experimento descrito aqui, a Holanda quer testar o modelo de produção regulada para o consumo recreativo. Em outras partes do mundo, este modelo já vem sendo adotado com resultados positivos.
E você, o que pensa?