Breve história do uso das drogas

Você sabia que as drogas são utilizadas há muito tempo?

Nas mais variadas sociedades e culturas as pessoas usam – da antiguidade até os tempos modernos – substâncias psicoativas para curar doenças, para descansar, para celebrar, e para chegar mais perto de Deus (em rituais religiosos).

Três mil anos antes de Cristo o ópio (do qual a morfina é um derivado) já era uma droga bastante conhecida em diversos países, e usada para acalmar os bebês e para esquecer as tristezas. Mil anos antes, o cânhamo (maconha) era usado em rituais religiosos pelos povos indianos, que acreditavam que a planta agilizava a mente, garantia boa qualidade de vida, potencializava os desejos sexuais e auxiliava na meditação.

Os estimulantes puros, como cocaína e cafeína, eram utilizados como forma de comer menos e trabalhar mais: a folha de coca (cujo princípio ativo é a cocaína) é mascada pelos povos Andinos há mais de 4 mil anos; também são utilizados há tempos o guaraná, o mate (utilizado na erva-mate), o café e chás estimulantes à base de cafeína. A origem do álcool deve ser mais antiga ainda, e mesmo a Bíblia fala do uso de álcool em cerimônias religiosas.

O uso antigo das drogas

Os gregos e os romanos acreditavam que a droga não era um mal ou um bem em si, isso dependia do tipo de uso que se fizesse dela.

Era necessário diferenciar entre a dose curativa e a dose fatal:  a quantidade definia o uso como remédio ou veneno.

As drogas eram bem toleradas pela comunidade, desde que seu uso não trouxesse conflitos sociais e individuais. Para eles, a liberdade andava de mãos dadas com a responsabilidade: para se poder fazer um bom uso das drogas as pessoas deviam conhecer bem a si mesmas e ter o controle sobre seu uso. Nesta época, não havia relatos de dependentes de drogas ou de pessoas que incomodassem a sociedade ou fizessem mal a si mesmos pelo seu uso, somente raros relatos relacionados ao uso descontrolado do álcool.

A influência da medicina e da igreja

O crescimento da medicina e a necessidade afirmar-se como prática legítima para a população fez com que se começasse a separar o que se chamava de “magia” e de “ciência”. Todos os conhecimentos das plantas psicoativas, construídos durante milênios pelos povos antigos e indígenas (curandeiros, xamãs) foi considerado como “magia”, portanto falso e enganoso. Também a Igreja ajudou nesta separação, associando a “magia” às bruxas (que tinham pactos com o demônio).

Durante a Inquisição (séc. 15 ao 18), a Igreja católica condenou um grande número de nativos por empregarem suas drogas tradicionais.

Nesta época, o uso de drogas tanto para o divertimento quanto para rituais religiosos (exceto o álcool, que ainda hoje é usado na missa), era castigado com torturas e pena de morte, e considerado “coisa do demônio”.Curandeiros, xamãs, sábios e pessoas da comunidade que sabiam lidar com estas plantas eram chamados “bruxos” ou “bruxas” e eram queimados em fogueiras. Nas fogueiras também foram queimados vários livros e anotações com conhecimentos do uso destas plantas.

O comércio

Logo após a Inquisição algumas drogas voltaram a ser legalizadas e receitadas pelos médicos, agora consideradas como tendo um efeito “cientificamente comprovado”. Uma destas drogas foi o ópio, que começou a ser utilizada para males do corpo (como dores). Outro exemplo foi o mate (hoje utilizado na erva-mate do chimarrão), que quase foi proibido pela Igreja, com a alegação de que este causava “danos para o corpo e para a alma”.

Os colonizadores, porém, lucravam bastante com o comércio e exportação do mate, e por isto ele permaneceu legalizado. O mesmo aconteceu com o tabaco.

O tabaco era utilizado pelos povos nativos da América tanto no dia a dia quanto em cerimônias religiosas. Durante a Inquisição ele também foi proibido, pois se dizia que “só o diabo poderia fazer um homem soltar fumaça pela boca”. Logo depois, começou a ser comercializado em alguns países, apesar de em outros ainda ser proibido e os fumantes condenados à morte ou a terem suas mãos, pés ou narizes cortados. Porém, quando passaram a ver os enormes lucros que o comércio do tabaco alcançava, a legalização do seu uso, produção e venda foi geral.

O Tráfico

Os lucros adquiridos pelos comerciantes de diferentes drogas foi um grande estímulo para sua legalização. Porém algumas drogas, como o ópio, eram legalizadas em alguns países e não em outros, e aí começou a se criar um “mercado negro”, nosso conhecido tráfico, porque as pessoas queriam consumir a droga. Isso acabava gerando muita violência, mortes e desacordo entre os governos dos diferentes países. No caso do ópio as proibições geraram várias guerras, que ficaram conhecidas como “as guerras do ópio”, onde muita gente morria e muitos policiais e governantes se tornaram corruptos, deixando que o tráfico acontecesse em troca de dinheiro ou favores.

Além do aumento na corrupção e da violência, a proibição trouxe também um aumento no número de pessoas dependentes.

Se pensa que o aumento dos dependentes de ópio seja por porque, antes de ser proibido, o uso dessa droga era ‘natural´ para a comunidade. Dessa forma, podia haver um controle social do uso. As pessoas cuidavam umas das das outras e se alertavam em casos de excesso.

A droga como medicamento

A partir do século 19, vários princípios ativos das plantas foram descobertos pela “ciência”: a morfina, a codeína, antropina, cafeína, cocaína, heroína, mescalina e barbitúricos, entre outros. Isso facilitou enormemente a comercialização e utilização destes produtos.Por exemplo, se antes precisava ser transportada uma plantação inteira de folhas de coca para obter um determinado efeito, com a descoberta de que o princípio ativo da planta era a cocaína, podia-se extrair somente o princípio ativo da planta, que cabia em um pequeno vidro.

Até 1900 várias drogas hoje conhecidas como ilegais podiam ser compradas em farmácias e drogarias e também pelo correio, direto do fabricante.

Em 1898 a morfina era vendida em todas as farmácias, e era o remédio mais receitado pelos médicos para a dor, fazendo laboratórios crescerem e lucrarem milhões. Começaram então a surgir os primeiros dependentes da droga, que eram principalmente os trabalhadores da saúde que a receitavam.

A cocaína também era bastante usada e receitada como “alimento para os nervos” e como “uma forma inofensiva de curar a tristeza”. Várias bebidas utilizavam cocaína em sua fórmula, dentre elas, a nossa conhecida Coca-Cola.

Nesta época também começam a ser bastante comercializados os primeiros hipnóticos e soníferos, e logo depois os barbitúricos. Logo se percebeu que estas drogas, sintetizadas em laboratório, são muito mais “viciantes” do que a própria morfina ou heroína e elas começam a ser usadas também como drogas para cometer suicídio.

A repressão

Uma mudança de atitude em relação às drogas acontece quando os Estados Unidos passam a relacionar os imigrantes ao uso de drogas e a atitudes indesejadas, com a intenção de discriminá-los e retirá-los do país.

Assim, disseram que os chineses corrompiam crianças porque usavam do ópio, que os negros abusavam de mulheres porque usavam cocaína, que os mexicanos não eram confiáveis porque usavam maconha e que os judeus e irlandeses eram imorais em função do uso de álcool.

Além disso, havia a batalha de médicos e farmacêuticos contra os curandeiros e outras pessoas conhecedoras das ervas e plantas, onde o objetivo de médicos e farmacêuticos era de consolidar o monopólio sobre a drogas.

Os interesses de moralizar a sociedade e lucrar com crescimento da indústria farmacêutica, levaram os Estados Unidos a fabricar uma política proibicionista, a qual impuseram a muitos outros países, especialmente aos em desenvolvimento.

Um exemplo desta política repressiva foi a lei seca (proibição do uso, produção e venda de álcool). Nesta época havia muito poucos dependentes de álcool (0,5% da população ou 200 mil pessoas), e proibição se baseava na crença de que, dificultando o acesso à droga, a população iria desistir de usá-la. Mas, não foi bem isso que aconteceu: em 1932, depois de 12 anos de proibição, haviam surgido meio milhão de novos delinqüentes e alta corrupção dos agentes de controle, desde policiais a ministros. Mais de 130 mil pessoas foram mortas ou tiveram lesões permanentes por terem ingerido bebidas mal preparadas e a rivalidade entre os controladores do mercado negro trouxe muita violência. Com a legalização do álcool novamente, as famílias que lideravam o mercado negro das bebidas passaram a investir em outras drogas ilegais, como a cocaína e a heroína.

Hoje em dia, em função das mortes e da violência geradas pelo narcotráfico, as drogas são vistas como símbolo do mal, e o usuário é discriminado como marginal.

 Algumas conclusões

Podemos ver que as drogas são utilizadas desde que o homem “se conhece por gente”, e isso faz muitos estudiosos pensarem que uma sociedade livre das drogas é uma utopia, ou seja, que é uma ilusão querermos acabar completamente com o uso das drogas.

A relação que o homem estabelece com as drogas depende de muitos fatores: religião, cultura, contexto histórico, mercado e interesses financeiros, desejo pessoal, condições e qualidade de vida.

Por isso, antes de discriminar o usuário e falar coisas do tipo “bebe porque é sem-vergonha”, ou, “fuma porque é mau-caráter”, é bom escutarmos e entendermos as motivações daquela pessoa para o uso, para podermos ajudá-la realmente.

È importante ainda pensarmos num contexto mais amplo, em como a nossa sociedade encara o uso das drogas ilícitas de forma negativa enquanto as lícitas são as que mais causam mortes e danos à saúde.

A droga é apenas uma substância, e uma substância não representa um mal em si mesma: o que importa é o uso que nós, seres humanos, fazemos dela.

Quer saber mais?

Leia: Antonio Escohotado (1994) “Las drogas – de los orígenes a la prohibición”. Madrid: Alianza Editorial.

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